Estava parada naquela esquina havia mais de duas horas. A droga daquele jogo tinha deixado as ruas praticamente vazias. Do alto do seu salto-plataforma, sacudia a cabeleira negra e escorrida (que chegava quase até a cintura do shortinho cavado de lurex) e batia as pálpebras, tão pesadas, com aqueles cílios postiços de Taiwan, quanto as asas de uma borboleta molhada. Cutucava, impaciente, as longas unhas grená. De vez em quando, deixava escapar um longo suspiro. Quanto tempo ainda teria que ficar ali plantada, a espera de um único trabalho que lhe salvasse a noite?
Estava apertadíssima. Mas detestava aquela estória de ter que mijar em pé, na quina de um canteiro, em plena calçada. Além do mais, desse jeito ficava muito vulnerável... Tentava calcular quanto tempo, aproximadamente, iria levar, naqueles saltões enormes, para dar uma corrida até a lanchonete, a meia quadra dali. E se o Jorjão de repente passasse de carro, justo nesta hora? Imperceptivelmente, pousou a mão no antebraço esquerdo, bem no lugar onde a nódoa ainda amarela de um hematoma dava notícias da sua última discussão com o brutamontes.
Olhou de um lado para o outro da avenida vazia, na qual uns poucos carros passavam em alta velocidade, misturando a fumaça dos canos de descarga ao vento de maresia. Respirou fundo aquele cheiro único, muito seu, e que era, para ela, o melhor perfume. Como gostava daquele lugar! Nunca, nem nos seus momentos mais difíceis, nem nos seus dias mais escuros, tinha pensado na hipótese de sair dali. Nem todas as desilusões que já havia vivido - os golpes de turistas metidos a espertinhos, os erros de cálculo no jogo do amor, as surras da polícia e as porradas do Jorjão e de tantos outros, antes dele - seriam capazes de fazê-la abandonar aquele pedaço de orla que já considerava como território seu. Ainda se lembrava da primeira vez em que avistara, maravilhada, o semi-círculo a céu aberto, ao mesmo tempo espaçoso e protegido, e do modo como a luz do sol quase a cegara, expandindo-se em todas as direções, refratando-se em todas as superfícies nas corcovas das ondas incansáveis, no metal veloz dos carros, nos vidros indiferentes e espelhados dos prédios altíssimos.
Agora, depois de tantos anos na batalha, ainda era capaz de encantar-se, outra e outra vez, com o esplendor daquela paisagem.
Estava perdida nesses pensamentos, quando se deu conta de que um Honda Civic, com vidros impenetráveis de insulfilm, estava encostando no meio-fio, bem na sua frente. Sentiu uma breve tonteira de felicidade, imaginando o instante em que o cliente bonitão (e muito, muito rico) abriria a porta e a convidaria a entrar. Inclinou-se animadamente em direção à janela do carro, fazendo a coreografia habitual: jogar os cabelos para o lado, empinar os peitos para a frente, armar a boquinha sensual. Foi pega de surpresa pelo jato branco, sufocante, brusco, que saía, interminavelmente, da boca de um extintor de incêndio, e acertou em cheio no seu rosto.
(Claudia)
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