sábado, 11 de outubro de 2008

MELANCOLIA

Me brota no ventre, dolorida. Sobe pelo estômago, ácida, liquida. Na garganta vira represa, aniquila. Ao ar não lhe permite passagem. Óbice de possibilidade. Caminha pelos braços, imobiliza os dedos. Para as pernas escorre sem força, gravitando, chumbando os calcanhares. Conquista as camadas. Uma a uma. Músculos frouxos, fanados. Chega a pele, lhe rouba o tom, grisa. Se liberta na expiração pelas narinas retesadas, que a inspiram de volta. Não pensa em partir, só em entrar mais fundo. Chega aos ossos, lhes congela. Assiste morosa as rachaduras. Os ossos esfarelam. O vento da inspiração lhes revolve, suas funções se embaralham. São expulsos na expiração seguinte. Primeiro só os ossos. Em seguida os músculos liquefeitos, os órgãos num amálgama gelatinoso. O peito se abre, oco, escuro, fraco. Então sou uma carcaça, descamada. Então só um recorte bruto, um traço, um risco dela.
C.

(Dever de casa – Sentimento)


 

ELA VAI MUDAR DE VAGAO NO TREM

não sei bem
que ainda não conheci o mundo, amor
mas te levo pra belém
te sirvo cidra na taça
de quinta não passa
é só chegar o ordenado, neném
não preocupa com nada
cozinhar eu cozinho
eu cuido do ninho
e no final de semana ainda te deixo 100
só não faz assim de trocar o meu nome
mudar de telefone
sair dizendo por aí que sou um zé ninguém
pensa bem, hein
que eu ainda levo no bicho
me visto no capricho
e te construo uma laje lá em xerém


C.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Microconto do Liniers



Preocupação mundial pela crise econômica.
O Dow Jones voltou a fechar em baixa.
Borboleta acaricia joelho de menina.

[J]

CONTOS MÍNIMOS?........

 

         DE ANA CHAMMA:

       10.X.2008

 

 

         Aquela gaveta guarda meu silêncio.

 

                                                                                                         A gávea e o campanário nada sabem da minha saudade

 

      O copo borbulhando omite o principal.

 

 

VAGALUME

     A natureza imprime o contraponto da noite

                                                                                                   

                                                                                                      quando o minuano sopra, maribondos harpejam o sono do capinzal                                                                                               

 

                               as margaridas do meu jardim brotam

                               de costas

 

                 

 

                                  

 

nenhum assunto

 
       estou seguindo a instrução do Julio.
       testando...........
         finalmente, vou conseguir! (acho, né?)
         Smiley mostrando a língua Emoticon bjs, Ana

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Arqueologia da amargura

Cambraia de linho debruada depois papel de seda azulado depois renda inglesa engomada depois sachê de lavanda exaurido depois gorgurão de tafetá mosqueado depois veludo grená adamascado depois foto de noivado rasgada e — no fundo do baú do enxoval — camisola branca de cetim fino, tão imaculada quanto a viúva precoce.

[Julio F. Silveiro, exercício "descrição não óbvia do interior de um armário ou gaveta", conto curto]

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ainda de matsuo bashô



Não esqueças nunca
O gosto solitário
Do orvalho

[matsuo bashô]

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

De Alexandra Maia


A síntese que Monterroso conseguiu neste pequeno conto lembrou-me Matsuo Basho, poeta japonês, mestre na arte de escrever haikais:

O silencio
As vozes das cigarras
penetram as rochas

Cheio de pesar
Traz-me a solidão –  
Cuco das montanhas


domingo, 5 de outubro de 2008

De contos curtos...



O conto “Dinossauro”, do guatemalteco Augusto Monterroso, é considerado o conto mais curto do mundo. Para quem não conhece, o conto de Monterroso resume-se a: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. O autor foi agraciado em 2000 com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras e é um dos mais notáveis escritores latinos.

O célebre autor Isaac Asimov disse sobre Monterroso: “Os pequenos textos de A ovelha negra e outras fábulas, aparentemente inofensivos, mordem os que deles se aproximam sem a devida cautela e deixam cicatrizes. Não por outro motivo são eficazes. Depois de ler O macaco que quis ser escritor satírico”, jamais voltei a ser o mesmo.”

[posted by ondjaki]