sábado, 11 de outubro de 2008

MELANCOLIA

Me brota no ventre, dolorida. Sobe pelo estômago, ácida, liquida. Na garganta vira represa, aniquila. Ao ar não lhe permite passagem. Óbice de possibilidade. Caminha pelos braços, imobiliza os dedos. Para as pernas escorre sem força, gravitando, chumbando os calcanhares. Conquista as camadas. Uma a uma. Músculos frouxos, fanados. Chega a pele, lhe rouba o tom, grisa. Se liberta na expiração pelas narinas retesadas, que a inspiram de volta. Não pensa em partir, só em entrar mais fundo. Chega aos ossos, lhes congela. Assiste morosa as rachaduras. Os ossos esfarelam. O vento da inspiração lhes revolve, suas funções se embaralham. São expulsos na expiração seguinte. Primeiro só os ossos. Em seguida os músculos liquefeitos, os órgãos num amálgama gelatinoso. O peito se abre, oco, escuro, fraco. Então sou uma carcaça, descamada. Então só um recorte bruto, um traço, um risco dela.
C.

(Dever de casa – Sentimento)


 

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