quinta-feira, 23 de outubro de 2008

MARINA

O sal rachava os lábios rúbidos de Marina. Cada sopro do vento hostil levantava o vestido rasgado e desnudava suas coxas anêmicas. Marina permanecia inerte, com os pés dormentes afundando na areia e olhar fixo na ilha em forma de baleia. As gotas d’água que saltavam do mar encontravam seu rosto sardento e escorriam em direção à sua boca, confundindo-se desgostosas com as lágrimas salgadas.

No início do crepúsculo, o dedão do pé direito descobriu as costas lisas de uma concha e empregou-lhe uma massagem letárgica. Enquanto isso, a maré enchia apressada e a canela de Marina desaparecia progressivamente na areia encharcada a cada refluxo do mar verde, cor de limonada. Os movimentos de seu corpo carnudo resumiam-se a inclinações dos olhos vermelhos que agora testemunhavam o soterramento de uma comunidade de tatuís.

A lua cheia mirou intrigada a imersão das coxas enquanto o oceano, faminto, lambia as dobras da bunda voluptuosa de Marina. Um carangueijo que passava por ali estranhou a estagnação apática da moça e decidiu provocá-la, investindo bruscamente na direção dos mamilos pontudos, como se ameaçasse beliscá-los com suas mãos de alicate. Nenhuma reação. O carangueijo deixou-se levar por uma marola e flutuou magoado. Sentia-se imprestável, invisível.

Marina já podia sentir a areia entre os dentes quando o odor de peixe, água e sal penetrou suas narinas e enviou a mensagem de transe para as profundezas do cérebro. Quando amanheceu, a praia estava deserta.


Por José Dantas (ao som da sofrível "Goodbye my lover", de James Blunt)

Um comentário:

Anônimo disse...

Very very nice, Zé... gostei do ritmo, do balanço das ondas, enquanto descreve a cena.