sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Fwd: Copacabana - sem areia, sol, mar, ilha, calçadão e Copacabana- exercício
As Quatro Estações
Nossos caminhos se cruzaram.
Eu, com os pés descalços.
Você, com uma flor no cabelo.
Os caminhos se tornaram um só.
Você, com seu encanto.
Eu, com a minha poesia.
O caminho se tornou estreito.
Eu, em busca de um sonho.
Você, de um vestido florido.
Seguimos caminhando juntos.
Você, com seus motivos florais.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Vendo a vista
André Tavares
me engana, copacabana
Estava parada naquela esquina havia mais de duas horas. A droga daquele jogo tinha deixado as ruas praticamente vazias. Do alto do seu salto-plataforma, sacudia a cabeleira negra e escorrida (que chegava quase até a cintura do shortinho cavado de lurex) e batia as pálpebras, tão pesadas, com aqueles cílios postiços de Taiwan, quanto as asas de uma borboleta molhada. Cutucava, impaciente, as longas unhas grená. De vez em quando, deixava escapar um longo suspiro. Quanto tempo ainda teria que ficar ali plantada, a espera de um único trabalho que lhe salvasse a noite?
Estava apertadíssima. Mas detestava aquela estória de ter que mijar em pé, na quina de um canteiro, em plena calçada. Além do mais, desse jeito ficava muito vulnerável... Tentava calcular quanto tempo, aproximadamente, iria levar, naqueles saltões enormes, para dar uma corrida até a lanchonete, a meia quadra dali. E se o Jorjão de repente passasse de carro, justo nesta hora? Imperceptivelmente, pousou a mão no antebraço esquerdo, bem no lugar onde a nódoa ainda amarela de um hematoma dava notícias da sua última discussão com o brutamontes.
Olhou de um lado para o outro da avenida vazia, na qual uns poucos carros passavam em alta velocidade, misturando a fumaça dos canos de descarga ao vento de maresia. Respirou fundo aquele cheiro único, muito seu, e que era, para ela, o melhor perfume. Como gostava daquele lugar! Nunca, nem nos seus momentos mais difíceis, nem nos seus dias mais escuros, tinha pensado na hipótese de sair dali. Nem todas as desilusões que já havia vivido - os golpes de turistas metidos a espertinhos, os erros de cálculo no jogo do amor, as surras da polícia e as porradas do Jorjão e de tantos outros, antes dele - seriam capazes de fazê-la abandonar aquele pedaço de orla que já considerava como território seu. Ainda se lembrava da primeira vez em que avistara, maravilhada, o semi-círculo a céu aberto, ao mesmo tempo espaçoso e protegido, e do modo como a luz do sol quase a cegara, expandindo-se em todas as direções, refratando-se em todas as superfícies nas corcovas das ondas incansáveis, no metal veloz dos carros, nos vidros indiferentes e espelhados dos prédios altíssimos.
Agora, depois de tantos anos na batalha, ainda era capaz de encantar-se, outra e outra vez, com o esplendor daquela paisagem.
Estava perdida nesses pensamentos, quando se deu conta de que um Honda Civic, com vidros impenetráveis de insulfilm, estava encostando no meio-fio, bem na sua frente. Sentiu uma breve tonteira de felicidade, imaginando o instante em que o cliente bonitão (e muito, muito rico) abriria a porta e a convidaria a entrar. Inclinou-se animadamente em direção à janela do carro, fazendo a coreografia habitual: jogar os cabelos para o lado, empinar os peitos para a frente, armar a boquinha sensual. Foi pega de surpresa pelo jato branco, sufocante, brusco, que saía, interminavelmente, da boca de um extintor de incêndio, e acertou em cheio no seu rosto.
(Claudia)
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Copacabana
Depois de 60 anos sonhando em revê-la, ele pediu ao seu enfermeiro que o colocasse ao lado de um banco de concreto, e fosse dar uma volta. De costas para os prédios, Hélpio deixou-se levar pela brisa que passava. Suas mãos apertaram os braços da cadeira. Seus lábios se entreabriram em um suspiro. Continua linda.
Alexandra
Grinzane for Africa
“O escritor angolano Ondjaki foi distinguido na última sexta-feira na Etiópia com o prémio literário Grinzane for Africa, na categoria de jovem escritor. Nesta primeira edição do "Grinzane Cavour Literary Prize for Africa" também foram premiados o queniano Ngugi wa Thiong’o e o nigeriano Ben Okri.” (site - África 21)
Parabéns!!!
sábado, 25 de outubro de 2008
Fwd: Um conto - Ouvindo Spirit...
por Monica Costa
O mar bate com força nas pedras, a água esverdeada se transforma em
espuma branca no movimento ritmado das ondas.
O dia está cinzento e úmido.
Pode –se sentir o cheiro de chuva no ar mas, não chove.
O mirante do Leblon é lindo, mesmo com todo cinza em volta. O
contraste dos dois cinzas no horizonte, o contraste dos cinzas dos
prédios com o cinza das ruas...
O ritmo da mar quebrando nas pedras acompanha a canção – Spirit dos
Water boys – que toca dentro de um carro de porta aberta. Ninguém
dentro, o homem desceu do carro.
A vida tem estado ruim ultimamente, nada demais...Como as ondas as
tristezas vem e vão...
O homem saiu para caminhar e agora olha o mar, quebrando nas rochas.
Está tudo cinza...mas, vai melhorar.
Tudo passa, às vezes só demora muito.
A música o envolve e as batidas hipnotizam o mar e o fazem acompanhar
a guitarra , ou são as ondas que ditam o ritmo de spirit ?
O homem, trajando bermuda camisa polo e chinelo, desce lentamente
pelas pedras, pára, ainda muito distante do mar, tira os chinelos e...
num mergulho perfeito e trágico, SALTOU !
E nada frenéticamente em direção a Ipanema.
fim
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Uma garrafa de uísque, um LP e um contrato
Há uma semana estava mergulhado naquele ambiente bucólico: um chalé no alto de uma colina perdido em uma região litorânea deslumbrante. Lá encontraria "paz, sossego e um pouco de inspiração". Palavras do seu editor.
Estava no seu segundo romance. O primeiro tinha saído sem sentir. Apenas deu asas à imaginação, mesclou alguns fatos cotidianos e só. Menos de dois anos depois se tornou um best seller. E cada capítulo, cada página, cada parágrafo fora produzido naquele cubículo em que morava no subúrbio. Nada dessas baboseiras de gaivota à beira-mar, paz interior. Foi lá, fez e ponto!
Mas agora estava ali, preso a toda aquela parafernália de escritor famoso: isolamento absoluto, uma máquina de escrever elétrica, milhares de folhas em branco e um contrato. Ah, o maldito contrato. Ele lembrava a cada minuto que de fato teria que produzir alguma coisa e isso, com toda certeza, era o motivo das primeiras noites mal dormidas.
Naquele dia, após o cair do sol, procurou executar o mesmo ritual dos últimos dias: respirou fundo, preparou um copo de uísque com duas pedras de gelo, deu uma, duas goladas bem dadas. Puxou a cadeira em frente a tal máquina... Mas a alvura do papel, aquelas teclas vazias, aquela brisa marítima o deixavam inseguro. Levantou, leu e releu suas anotações, seus rascunhos e voltou. Sorveu o resto do copo. Perdeu a paciência.
Mas que diabos! Sabia qual era o problema. Não precisava de concentração, de sensibilidade. Era um romance policial que aconteceria na cidade. Não precisava de grilo, sapinho, coruja! Queria sirenes, buzinas, multidão. Queria o pé-sujo da esquina! Tinha que estar inserido no contexto. Precisava do frenesi urbano.
Levantou-se e foi até a estante espiar os livros que haviam na casa para espairecer. Auto-ajuda, Paulo Coelho, Ernest Hemingway, Bukowski, mas uma penca de best Sellers que não eram seus... Encontrou uma coleção de LPs. Pescou um do Pink Floyd e colocou no toca-discos no volume mais alto que podia. Apesar de estar meio arranhado, a música surtiu um efeito adoravelmente calmante. Os primeiros acordes cortaram o silêncio de forma estridente. Aos poucos foi relaxando. O uísque também já fazia efeito. Voltou para máquina decidido.
Começou a dedilhá-la pelo simples prazer de escutar seu som. Quanto mais forte era o compasso da música, mais forte batia nas teclas. Aquele batucar compulsivo foi num crescente que já quase as espancava. O som ritmado, a mistura dos graves com os agudos..., toda aquela sonoridade epilética trazia a inspiração que realmente precisava. As idéias foram surgindo, fluindo. A noite foi passando... Repetiu as músicas até não poder mais. Perdeu mais uma noite de sono. Terminou a garrafa de uísque e o livro em menos de 12 horas.
André Tavares - Escutando Música Clássica
MARINA
No início do crepúsculo, o dedão do pé direito descobriu as costas lisas de uma concha e empregou-lhe uma massagem letárgica. Enquanto isso, a maré enchia apressada e a canela de Marina desaparecia progressivamente na areia encharcada a cada refluxo do mar verde, cor de limonada. Os movimentos de seu corpo carnudo resumiam-se a inclinações dos olhos vermelhos que agora testemunhavam o soterramento de uma comunidade de tatuís.
A lua cheia mirou intrigada a imersão das coxas enquanto o oceano, faminto, lambia as dobras da bunda voluptuosa de Marina. Um carangueijo que passava por ali estranhou a estagnação apática da moça e decidiu provocá-la, investindo bruscamente na direção dos mamilos pontudos, como se ameaçasse beliscá-los com suas mãos de alicate. Nenhuma reação. O carangueijo deixou-se levar por uma marola e flutuou magoado. Sentia-se imprestável, invisível.
Marina já podia sentir a areia entre os dentes quando o odor de peixe, água e sal penetrou suas narinas e enviou a mensagem de transe para as profundezas do cérebro. Quando amanheceu, a praia estava deserta.
Por José Dantas (ao som da sofrível "Goodbye my lover", de James Blunt)
Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial
O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.
David Foster Wallace
..........
postado por C.
CORRIGINDO
Bom dia,
lendo o blog deparei-me com um erro ortográfico meu: ....enfio...NÃO, é ENVIO!
(pensando melhor até faz certo sentido porque o conto é um pouco longo então.....)
Espero q vcs tenham recebido o QUEIMA SANGUE!
Beijos, até daqui a pouco
MEMÓRIAS DE ÁGORA
Patético... O que é patético? Minha referência é pobre... ... três patetas... o Pateta da Disney (dos quadrinhos que não lia). Me sinto patética... Mas acho que todos tem um ar patético. E isso é preocupante... Onde estão os seres brilhantes? Senhores de si, espelhos meus... Pedra pateta. Mar pateta. Não! Tenho respeito pela natureza! Não posso dizer isso... - Mas não respeita sua própria essência natural? Sei lá... chicote só em mim e nos homens dos espelhos sociais... - Então Deus é pateta? Não... só se eu fosse cristã. - Por quê? I didn't get it... Pois é a imagem e semelhança do homem, ou o inverso, mas é isso. - E seu Deus? O que é? Não é... vai sendo... - Novamente pedindo explicações... no mínimo razoáveis... Aí está o problema, não tenho o que explicar nesse sentido... ou não há sentido nesse explicar. Como queira. - Você é confusa... Sou simples de tão complexa, acho. - Como Deus? É, como Deus... - Então você é patética... Você e seu Deus. Pois é, eu e meu Deus. *** Acho que esses sonhos não me abandonam pra me lembrar da fonte onde bebi com os anos... Fantasmas circulam meus sonos... Dançam enquanto eu, criança, procuro uma guloseima qualquer que me faça feliz. - Não está você feliz agora? Como poderia? Nem gosto mais de doces... São amargos, ou enjoam facilmente... Mas os fantasmas querem tudo de novo... Me convidam para uma dança de canções uníssonas entre o que passou e o que virá... Um lobo à espreita... Pobre lobo... Não sabe que não se toca (come) fantasmas? - O lobo é você? Como ousa? Não sou fantasma... e assim você me toca (mexe)... Pois no presente é que podemos sentir tudo... o futuro é dúvida certa e o passado certeza duvidosa... Mas o agora é sabor, saber, tocar, querer (ou não)... - Será por isso que os sonhos enquanto acontecem parecem tão reais? Por serem presentes? É mesmo, não tinha parado pra pensar nisso... Como tudo o que passou em nossas vidas, fica a lembrança, às vezes falha, de algo que não se sabe ao certo se existiu (aconteceu). - Dizem que podemos construir nosso futuro, no presente... Será que podemos construir nossos próprios sonhos? Tomara... até acredito... pois quero sonhar melhor... E me entender com os fantasmas do medo. -E voltar a apreciar guloseimas? (meio sorriso) *** Artistas do mundo Saber ver o belo... Isso é arte. Saber ver o belo! De tudo. - Em que pensavas, cara amiga do meu viver? Numa fonte escondida... Talvez esteja mais perto do que imagino, talvez a encontre em breve... - Mas o que tem essa fonte? Alegria... das mais raras e perseguidas... É ouro, meu caro. É ouro... - Onde pensas começar a procurar? Tens um mapa? Ora se tenho... À noite quando me deito, me deito com as estrelas. E elas sussurram em meus ouvidos estranhas canções familiares... Creio estar no caminho certo, voando alto com as estrelas... - Desculpe, sei que não gostas de "ousadias" alheias, mas não estaria tal ouro o tempo todo diante de sua fuça? Você é abusado mesmo... e conheço essa história, de procurar dentro de mim, dentro de mim está a felicidade, toda aquela que preciso... So obvious... Mas prefiro pensar no contato, pois sem ele nada somos ou sabemos do que somos... - Contato? Você gosta de viajar mesmo, sem falar que vê filmes demais... Jodie Foster, não é? (Risos)... Nem tanto, durmo na maioria das vezes que tento assistir a filmes, pois estou ausente, não quero me envolver na história, e fico me prendendo ao que passou e ao que virá... - Mas e o contato? Falamos de Deus, daquilo que é sagrado em toda a existência humana... da busca por si, por algo ou por alguém. Do contato que perdemos com o tempo e toda essa pressa de chegar primeiro que a morte. Já reparou como os homens correm contra o tempo, numa famigerada competição para ultrapassar o inevitável? Chegar primeiro que a morte e dizer: "Ahá! seu tempo acabou, agora sou senhor do universo!" Lembrei de Gilgamesh... e tantos outros... - Na verdade, então, não me parece que queiram que o tempo pare, mas que não pare nunca, e se estenda por toda a eternidade... Mas "ao mesmo tempo" parece que não suportam a vida com tanto tempo. Não suportam o presente, não acha? Presente? Vida? É, a vida é um presente... Sempre tive dificuldades em receber presentes, nunca achei que merecia, não sabia o que fazer com eles ou comigo diante deles... - E eu sempre achei que deveria fazer algo em troca, era como um trato virtual onde pagaria mais tarde... Que pensamentozinho cristão, querido! Mas acho que isso responde sua própria questão. Há muito medo de viver. Mais do que morrer. E pouco contato... Muito pouco de Deus. *** |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
UM CONTO
Oi gente,
Infelizmente não pude estar na última aula tipo humanamente impossível!
Li agorinha o email do Ondjaki em trânsito e bateu uma saudade do prof!!! Nem despedi, né?
Pelos comentários entendi q a aula foi ótima!
Amanhã estarei lá!
Enfio o conto q deu origem a uma novela já concluída mas inédita ainda!
Beijos e muita saudade!
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Subúrbio
Música: Baby We'll be fine – The National.
As luzes da 24 de Maio deixam o ar agradavelmente triste e alaranjado, como se o mundo fosse um enorme copo de Cebion. Vejo até as bolhas, flutuando no ar, misturadas entre a memória do seu rosto sorrindo e as gotas de chuva.
André – dentista
Charlie Cheng e a desgraça esdrúxula de Lin Biao
Cometi um começo de romance, quem quiser continuar (e julgar que vale a pena) que baixe o PDF ilustrado no link abaixo (e aproveite para visitar meu recém-parido blog).
abraços
Julio
Cliquem ----> aqui!
Segue trecho da oficina de contos dada por José Castelo no Portal literal. Quem se interessar, pode encontrar as dez aulas na íntegra no http://portalliteral.terra.com.br
“Diz o dicionário que o conto é uma narrativa breve e concisa, que apresenta unidade dramática e tem a ação concentrada em um único ponto de interesse. A definição sintetiza as idéias mais comuns que cercam, como velhas superstições, o conceito de conto. Não traz uma regra, uma norma, não é um dogma: mas é, ainda assim, um bom ponto de partida. E, como todo ponto de partida, existe não para que nele estacionemos, mas para que o superemos.
A palavra conto vem de "conputus", do latim, que, entre outros significados, guarda o sentido de "cálculo". De fato, na arte de escrever contos existe muito de perícia, de busca de rigor e precisão, de luta contra o excesso e o supérfluo. É claro, cada autor estabelece seus próprios objetivos, fixa suas próprias fronteiras e lida com suas próprias idéias a respeito do que escreve. Os contos de Machado de Assis, como "A cartomante", ou "A mulher de preto", não se parecem com um conto célebre do argentino Júlio Cortázar, como "O perseguidor". Ambos se distanciam muito de uma fábula de Esopo, como "A raposa e as uvas", dos relatos de Charles Perrault, como "O barba azul", e também de qualquer uma das cem narrativas guardadas no Decamerão, de Boccaccio. Ainda assim, todos costumam ser chamados, genericamente, de contos.”
Alexandra
Ol' Bill Basie - Kool Jazz at Midem
Um copo alto com muito gelo e whisky. Gotas escorrem pelo corpo invisível preso na mão do homem encostado ao bar. Os olhos embaçados procuram cativos ao ritmo frenético do lugar. Ela não virá. E a bebida desce afiada, certa de que aplacará a chama que consome seu coração.
Alexandra
- Será que ele vêm? Era só pensava enquanto ouvia o tictac. - E agora? Quanto tempo leva até tudo ir pelos ares? Drix. |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
Vaidade
No espelho era eu, em cada novo fio branco, em cada nova linha decrescente. se bem que... até que posso chamar de belas essas marcas do tempo. Mas... será que meu espelho também vai achar isso? Será que por muito mais tempo? Drix. |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
Me rasgo pela dor Angústia desse viver Dessa dor da vida Dor de nascer, dor de morrer Mas agora me rasgo e dôo por essa dor e gozo de Amor... Amor. Cadê você? ... Drix. |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
O cheiro era doce, lembrava a infância e os domingos na casa de meus avós. As histórias de terror e paranormalidade ficavam ali escondidas, impregnadas naqueles velhos vestidos pendurados... Mas não era cheiro de velho que tinha, estranho... era só cheiro doce, cheiro de saudade. Drix. |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
Outrora era eu Ainda eu... embaçada tremida No desgaste de meu tempo me turvo mais um pouco... e a vida, ela Pulsa. Drix |
Novos endereços, o Yahoo! que você conhece. Crie um email novo com a sua cara @ymail.com ou @rocketmail.com.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
First Gymnopedie (ripped from vinyl) Yusef Lateef revisitando Eric Satie, me recebendo com um chá quente agora.
C.
domingo, 19 de outubro de 2008
sábado, 18 de outubro de 2008
Poema 2
no tempo de Ilka
Levar o tempo a cada toque
no rosto nas mãos em um sorriso
No abraço mergulhar demorar-se nele
Sem medo segurar pelas linhas da mão
o corpo que o crepúsculo desfia
enquanto há luz para despedida
Guardar como paisagem o olhar
que cede pedindo um pouco mais
como se mais um pouco
pudesse ser ao mesmo tempo
um pedaço da eternidade
pois ainda que tarde ainda é
Fitar o instante
em que vagarosa a luz se rende
e em silêncio perceber
Alexandra
Poema 1
Um dia, eu enviarei contos. Hoje, dois poemas: amor e morte.
do amor: o primeiro
“Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta...”
Eugénio de Andrade
Creio que foi o olhar
foi no olhar que me deitei
Um olhar tão claro que fazia bem
deitar nele uma vida toda
Naquele olhar
o mundo não entrava
e eu era inteira ausência de mim
Eu me quedava naquele olhar
sabida em não saber
- querer era ter -
coberta pelo lençol das pálpebras
Teus olhos, grama verde
Um olhar
que congelou o tempo
me grudou na estrada
ladrilhou as noites
Navegando em teus olhos
nos meus olhos verti
em gotas de um oceano
que secou em ti
...
Vão-se as paixões
Ficam os poemas a arder
Alexandra
Dentro
c.
O dia bom de Catarina
Quando você mora num prédio de 22 andares com 90 apartamentos e, ao sair de casa, encontra o elevador à sua espera, percebe um sinal de boa vontade divina.
Só por isso, Catarina já sorriu. Era sexta feira, e sem que soubesse porque, acordara feliz.
A sorte lhe acenara ao despertar com o rádio escolhendo aleatoriamente uma música que ela adorava. Banho demorado, café caprichado, jornal inteiro, e trabalho, hoje não.
Escolheu tres filmes, recortou os horários, deu comida aos peixes, pensou em alguns amigos. Não. Hoje, sozinha. Suficiente? Jardim Botânico, talvez. Celular, nem pensar.
O elevador à espera lhe deu a certeza - sozinha.
Quando você mora num prédio de 22 andares com 90 apartamentos e consegue descer do 17 até o subsolo direto, e sem ter que falar sobre o tempo com nenhum meio estranho que mora embaixo ou encima de você, é como ganhar um prêmio de loteria.
O velho carro não decepcionou. Meio tanque, pneus em dia, pegou de primeira. Som na caixa. Trânsito livre. Vaga certa. O mar, transparente.
A areia cheia de desconhecidas cangas coloridas. O cara da cerveja - o de sempre. Loura gelada e bico calado.
O homem na cadeirinha à frente - talvez grande demais para aquela cadeirinha - olha para ela sobre o jornal, assim como quem não olha. Incrível como depois dos 35, começou a reparar que os homens com mais de cinqüenta olham mais pra ela. Os de menos, olham menos. Como estava feliz, esse pensamento não a aborreceu.
Abruptamente, levantou e mergulhou. Oh! Deus, que prazer imenso é possível nesse ato tão banal, repetido tantas vezes ao longo da vida e nem sempre aproveitado. Estava feliz e por isso furou oito ondas seguidas antes de se estender na faixa de areia molhada atrapalhando o frescobol. Nem aí. A frente do corpo esquentava no sol, o mar vinha, gelava-lhe as costas, e ia. Ficou assim até sentir sede.
Andou até o calçadão toda molhada, areia grudando entre os dedos dos pés. No calçadão, pés livres da areia grudada com a ajuda da canga listrada de fitinhas do Bonfim.
E, como estava feliz, sentou de biquini mesmo na cadeira de um quiosque, voltada para o mar. A multidão, lá em baixo. Aqui, um chopp, por favor. Atrás dela, o trânsito comum às sextas feiras. Domingo particular.
Considerou como a vida era boa.
O tal homem (mais de sessenta?), agora na mesa ao lado, cadeira mais proporcional. Pensou nos homens que teve. Amorosos, sim. Canalhas, apenas o normal. Sinceros, na medida do possível. Covardes, só a metade. Mas, cafajestes, cafajestes, mesmo - nenhum. Até nisso tivera sorte.
Hoje estava, até, achando bom morar naquele prédio de 22 andares com 90 apartamentos, afinal, não permitiam animais no condomínio e nem tinha salão de festas. Não interessa, aqui, quanto tempo essa felicidade vai durar e o porquê de tamanha bem-aventurança. Nos cabe, como Catarina, aproveitar este dia, sem nada para reclamar.
Terceiro chopp e agora, já chega. Levantou e pagou a conta sob o olhar arrastado do tal homem ainda pregado na cadeira. Só viu pelo canto do olho. Hoje, não dar nenhuma chance.
Bater perna no calçadão, escultura de areia, artesanato ruim. Com a cidade na mão num dia tão feliz, comer peixe no Leme. Foi de canga e se importando com as pessoas vestidas, coitadas, tanta gravata num sol daqueles. Água mineral. Sem gás. Molho escabeche, há quanto tempo...
Olhando o mar, agora de longe, e sol, hoje, não quer mais.
No elevador da subida, crianças agitadas. Criança é legal. Não as quer para si, mas assim, crianças dos outros e no tempo de um elevador... bacana.
Ducha fria, shampoo de mate verde para o corpo e os cabelos. Hoje, sem secador. Sem hidratante. Sem, nem, desodorante. Só quer o cheirinho do shampoo que remete a lugares úmidos e tranqüilos.
Depois, talvez... Clarice? Não, Clarice, hoje, não. Rubem Braga? É. Dia de crônicas, mais que de contos. De costas pra janela para a luz incidir no texto já por si, iluminado. Até que só sobre a luz própria do livro e perceba que anoiteceu.
Fecha os olhos e agradece, sem nem saber a quem, pelo dia tão bom que teve.
E, como estava realmente feliz, lembrou do quanto o pai gostava de aletria e a mãe, de pão de ló.
Vera
Navalha / Música africana
Ela nascia no meio da cabeça, no cocuruto, e abria uma picada pelo cabelo, cortando caminho em direção à testa, onde fazia uma curva pequena e caminhava como uma cobra costurada na pele, passeando pelo olho esquerdo esbranquiçado. Logo abaixo, morria. Quando nasci, a cicatriz já existia e, se um dia eu visse o rosto do meu pai sem ela, acho que nem o reconheceria.
Não sei que processo causou esse efeito, mas hoje em dia, homem para mim tem que ter cicatriz na cara. Foi por isso. Naquele dia, o Rogerinho estava tão próximo e amável, tão entregue, que quase desisti. Mas foi mais forte que eu. Angustiada, pedi desculpas já com a navalha na mão e fiz dele um homem de verdade.
Ha gente em casa?
traz para casa as conchas vivas da praia o vento escondido nas pegadas dos pássaros o teu rosto oriental incansável nas minhas mãos suadas em deliberada quietude
traz o excesso das unhas no arranhão encarnado de carne que tocas em busca de um grito
quero-te aqui como se fosses trepadeira acesa ou ruído rotineiro. quero-te como se fosses perto outra vez.
traz o teu corpo para casa.
:::
Lamento ao Garçom
- Garçom, o bar vai fechar e carioca depois das dez não tem relógio. Eu sei, Garçom. A patroa tá te esperando, o patrão tá de cara feia, depois da quinta saideira o cliente quer fazer amizade, teus pés já incharam, tudo isso é verdade. Mas Garçom, não joga água com omo assim que vai estragar as minhas sandálias, Garçom. A gente não tem tanta intimidade.
- Garçom, eu sei que quem te paga o pão é o alcoolismo da minha geração, mas veja bem, não precisa sair trocando a tulipa no meio, sempre com colarinho, o copo cheio, que a gente vai perdendo a conta e a concentração. Fica tranqüilo que na hora de fechar a gente paga os 219 chopps que você cobrar. Mas, hein, garçom, deixa com a gente a iniciativa de se embriagar.
- Garçom, eu tenho um negócio contigo, uma ternura de alma, um troço de olhar nos olhos, uma coisa como que de coração. Mas olha só, Garçom, não me pede assim, no meio do expediente pra mudar de mesa, que meus ânimos já se acomodaram, não tenho tanta destreza. Logo eu, Garçom? Só porque um grupo de 8 vai chegar? Não, Garçom, meu grupo é de um mas eu costumo demorar.
- Garçom, muitos rostos para decorar, entendo. Mas por favor, sorria quando me vir chegar. Seria bom poder pedir o de sempre, a gente freguês sente, Garçom. Juro que na hora da gorjeta teu elogio vai estar lá.
- Garçom, só mais uma coisa... no final, Garçom, faz-de-conta que você não me viu sair daqui tonta que daqui a pouco o sol desponta e o pessoal pode falar.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Trio estranho: Mariana, Seal e Lovecraft
Vocês podem baixar aqui a quinta carta de Mariana Alcoforado. Aproveito para sugerir fortemente o livro sobre ela e suas cartas.
Também mando uma referência rápida sobre Lovecraft.
Fico devendo as músicas africanas, ainda não descobri como disponibilizá-las no blog.
abraços apalpáveis
Julio
2 Contos curto
Fui novamente beijar sua boca e sentir seu cheiro. Dormi com ele.
Acordei sem rumo, sem bússola, sem mim.
Mas, novamente quente, viva.
Premonição
A aranha acordou sobressaltada,
sua teia, tecida com tanto esmero na noite anterior,
estava irremediavelmente arrebentada.
Monica
Fwd: Um conto - Uma rosa como tantas autora Monica Costa
Outubro de 2007. Faz um calor abafado na periferia de São Paulo. São
7:30 da manhã e o calor, misturado ao ar poluído, dão a sensação de
dia já começado há muito tempo e de cansaço. As pessoas caminham sem
muito ânimo para mais um dia de trabalho, os trens estão lotados. É
uma viela de casas pobres, geminadas, algumas divididas em terreo e
sobrado.
Rosa sobe as escadas do sobrado de tijolos, sem emboço com
dificuldade, suas coxas e mãos estão ensanguentadas. Dentro da casa de
costas para a porta, está Marcelle tomando café em pé junto a pia.
Rosa senta pesadamente sobre o sofá na entrada.
--- Joguei meu filho no rio.
--- Mas o que é isso, Rosa ?! Cadê o menino ?! Fala a verdade ?!
---Já falei..tá no rio. A cabeça de Rosa pende para trás e ela fecha
os olhos momentaneamente.
Marcelle sacode Rosa pelos ombros e grita.
--- Vamos lá! Você é doida ?! Me mostra onde foi! E sem esperar
resposta sai correndo pela escadas, seguindo em disparada pela viela
em direção a rua.
Rosa continua muda, inerte, esparramada sobre o sofá gasto e rasgado.
Chega a outra prima na sala.
Que houve Rosa ? Voce tá ensanguentada! Tá sujando tudo! Levanta do
sofá, Rosa! Você perdeu o bebe?
Vem, senta aqui. E estende para ela um banco de fórmica.
Estavam as duas sozinhas naquela cozinha-sala, onde sofá, pia, fogão e
mesa de fórmica compartilham o mesmo espaço. O sol da manhã já
esquentava o ambiente e trazia para dentro aquele cheiro fétido do
valão que passa ao lado da casa.
Rosa senta-se no banco e continua sua história falando agitadamente.
--- Eu pari um menino e assim que ele saiu de dentro de mim, eu joguei
no rio. Pronto. Foi isso e você não precisa sair correndo, porque tua
irmã já foi, Rosa continuou.
Eu não queria o menino e eu não sou cachorro nem gato pra sair por aí
dando filho. Assim, acabou. Minha vida continua daqui.
--- Mas que é isso Rosa ? Como você conseguiu fazer isso ?
--- Eu num programei, nem consegui. Só fiz. Assim, de um impulso. FIZ.
Um monte de gente, não tira filho? Eu só tenho 17 anos...Eu táva no
maior bom com o Wanderson e aí pintou o filho. No começo eu gostei.
Pensei em me aquietar com o Wanderson, montar casa, criar família que
nem tua mãe fez. Aí, ele começou a se desinteressar ... Você sabe como
é. No começo eles gostam. Peito grande, bunda grande, mas depois o
barrigão fica maior que tudo. O Wanderson começou a procurar outras.
Ele não me falou nada, nem eu vi, mas a Nathalia da viela 8 me falou
que viu ele saindo com a Samira e depois com a Suzane loura. Fiquei
puta, mas não falei nada e aí comecei aqueles cursinhos naquela ONG
perto do posto de saúde. Aí mesmo é que acho que piorei... Aquela
conversinha de filho pra cá e filho prá lá e umas mulheres velhas
tratando a gente como se a gente fosse retardada. Ensinando o que a
gente deve comer para ter um filho saudável, que não pode dançar
demais, não pode beber... Aquela conversa me dava enjôo. Era só eu
entrar lá para o enjôo piorar. Tinha vontade de gritar e sair de lá
correndo, mas nunca, nunca pensei em jogar ele fora..
Agora, Rosa titubeia pela primeira vez em seu discurso, até então
firme e racional, seus olhos enchem d'àgua e a voz começa a embargar.
Mas ela continua e lentamente começa a expor sua alma.
--- Mas também não pensei em continuar minha vida com filho... Como é
que eu ia continuar? Morando aqui, na tua casa onde mal cabe eu ? E o
meu curso de computação ? Ia ter que esquecer...Como é que eu ia dar
conta das faxinas e do curso? Eu ia acabar que nem todas essas aí
...Filho é bom pra quem pode, não era para mim, não agora. Eu quero é
sair daqui, mudar de vida, ser garçonete no exterior, que nem minha
mãe, que nunca mais voltou.
--- Nessa madrugada, quando comecei a sentir que ele ia sair de dentro
de mim, não falei nada. Peguei uma tesoura e fui até a beira desse
riacho imundo. Precisava ficar só e foi aí que pensei, só aí que eu
pensei, em deixá-lo ir. Assim como veio, vou deixá-lo ir. Pensei que
sem médico, sem nada, ele nem chorasse ou já nascesse morto, sei lá...
Mas, quando ele saiu de dentro de mim me rasgando inteira, senti uma
dor tamanha e ouvi o choro dele... Já ia pegar ele no colo, mas aí eu
nunca largaria. Mãe que é mãe não larga filho. Eu quero ser uma boa
mãe. Aí, só aí eu pensei no rio. Cortei o cordão e botei ele lá.
Deixei o rio segurá-lo e embalá-lo, bem de mansinho...
Só eu é que podia mudar minha vida...Só eu...é horrível. É horrível ?
Também acho que é, largar um bebe naquele rio imundo...Mas botar mais
um largado aí no mundo...Saí correndo de lá, nem sei que fim levou...
Rosa suspira e volta a falar mais lentamente.
--- É melhor eu consertar primeiro a minha vida e depois pensar em
trazer outra pro mundo. Sei que eu estava certa. Era o que tinha que
ser. Mas só não entendo porque esse buraco dentro de mim, esse
desepero, esse choro idiota que teima em chorar. Queria o meu filho
nos meus braços, mas não não quero essa vida para ele, não é melhor
ele vir depois.
É assim que tinha que ser, Rosa é assim que tinha que ser. Rosa,
repete a frase para si mesma num discurso sofrido e absolutamente
solitário.
Rosa esfrega os olhos com força com um braço, depois com o outro, até
começar novamente a chorar, dessa vez convulsivamente. Rosa se levanta
de rompante.
O que foi que eu fiz ? Joguei um pedaço de mim fora! Quero ver meu
filho! Quero meu filho. Rosa desce as escadas desesperada em direção a
rua.
Monica
Papo de Van
"Nada nessa vida é em vão, pense no vão dessa canção..." E dalhe solo de guitarra.
Ninguém o incomodava. Mas vez por outra baixava o som para pescar algum papo interessante. Afinal, escutava aquelas músicas diariamente.
"Tri, tri. É leque, essa é a parada, vô pega essa mina de jeito e...." Um playboy falava ao nextel para quem quisesse ouvir.
Não, sem sombra de dúvidas, aumentar o som era a melhor opção.
"... e não diga que ela foi feita em vão!"
Pouco tempo depois, apurando melhor os sentidos, deu para perceber que ali do lado, uma menina de seus 25 anos, rechonchuda, poderia lhe dar o passatempo daquela viagem pelas engarrafadas ruas do Rio. Buscava mais um capítulo da novela da vida real.
Baixou o volume.
"Mas Bê, tá atrasado. Tô esquisita. E se..."
Bãmmmm! O carro detrás enfiou a mão na buzina e iniciou um coro estridente: Bã, bã, bã, bãmmmm!
Desgraçado. E se... Como assim? Queria saber mais.
"Mas Bê, não sei... A gente fez isso junto, você tem que me ajudar."
Sim, estava começando a ficar claro. Era um daqueles capítulos decisivos. Baixou mais um pouco o som. Continuava com o fone apenas para disfarçar, mas na verdade a sua audição captava coisas bem mais interessantes do que aqueles velhos e conhecidos acordes.
A menina começou a chorar, baixando o tom de voz:
"Acho que vô tirar. Não tem jeito... Que, tá louco! Tem dinheiro pra isso não. É só tomar um copo de Coca-Cola com..."
Bãmmmmmmm! Mais outra barbeiragem do piloto.
"Mas..." Desatou a chorar.
Percebeu que ali ao seu lado acabava de ser julgado um indivíduo que ainda nem nascera. Que nem ao menos havia tido uma chance de se defender. Era fato consumado: aquela criança não viria ao mundo.
Como o ser humano poderia ser capaz de tamanha brutalidade?
A turbulência do trânsito, o som, as pessoas indo e vindo na rua... Todos estavam indiferentes àquela notícia aterradora. Nem tinham conhecimento. A vida seguia sem pausa. Sem dó.
Tentou aumentar o som para se livrar daquele sentimentalismo efêmero. Também queria continuar ignorando. O aparelho indicou: low batt. Droga. Seria obrigado a pensar insistentemente naquilo até o resto da viagem.
:: André Tavares ::
Queridos Desconhecidos
Em menos de meia hora estavam íntimos. Tudo que sabiam um do outro ia até a primeira página. Ela, divorciada aos 25. Ele, pai solteiro aos 26.
Tudo fora rápido. Uma troca de olhares antes de começar o filme. Um esbarrão, uma súbita impressão de que se conheciam de algum lugar.
Ela, corou e sorriu embaraçada. Ele, tímido, apenas balbuciou um pedido de desculpas. Coincidentemente iam para o mesmo lugar: tomar um espresso na bomboniere da livraria ao lado. Caminharam lado a lado por alguns instantes até ensaiarem um diálogo. Tudo muito superficial, alguns comentários sobre o filme, previsão do tempo...
Primeiro gole de café e um sorriso se estampou no rosto dela. Lembrou de uma cena hilária. Ele, impressionado, só conseguia reparar na sua boca. Aqueles lábios rubros, carnudos, faziam um conjunto perfeito com o seu nariz e seus olhos.
Ela percebeu e trocou de assunto. Tentou lembrar de onde se conheciam. Amigos em comum? Faculdade, praia? Amigo do ex? Não, não queria lembrar daquele canalha agora. O desconhecido era lindo. Aquele olhar de cachorro pidão a seduzia. A situação a envolvia.
O café acabou com aquele gosto amargo. O assunto também já estava chegando ao fim. Só restou um petit four no pires e um sorriso já sem graça. Ele pegou na sua mão, se aproximou. Os corações descompassaram, o sangue pulsou mais forte. Ela tentou disfarçar. Desviou o olhar. Não era daquelas. Tinha que resistir. Não poderia se entregar a um estranho. Não, não pode... Sentiu no lábio molhado o sabor de um beijo roubado. Ficou sem ação.
A noite estrelada tornou-se palco de uma paixão momentânea. Cúmplice de dois amantes que se entregavam aos prazeres da carne.
Um beijo de despedida. Nenhum número.
Curtos e curtíssimos
Estava sem cigarros. Saiu pela mesma porta que entrou quando se conheceram e nunca mais voltou.
Tal qual uma besta selvagem, criou-se involuntariamente. Nasceu e cresceu. Se alimentou das minhas fraquezas..., das minhas incertezas... Chegou sem ser convidada. Foi estúpida, seca e vazia. Não teve porquê. Apenas veio e explodiu.
.................
Meu esconderijo
Ela esconde as minhas cartas de amor, guarda meus sentimentos, alimenta os meus desejos. Sua loucura incompreensível me fascina. Seu corpo nu, rígido, dá prazer à curiosidade das minhas mãos. Sempre que se abre, sinto que ainda há um mundo a descobrir. É só minha. Minha pequena. Tranco a sete chaves e não deixo ninguém entrar.
................
A boca rachada pelo sol, o vinco das bochechas, aquele sorriso amarelo... Nariz e orelhas alongadas pelo tempo, o olhar perdido em alguma esperança do passado. As mãos calejadas, o cabelo loiro, opaco, ressequido. Talvez em outro tempo, em outro lugar, aquela senhora de expressão tão severa pudesse ter sido miss.
...............
O vestido estampado, o batom na boca já rachada pelo tempo. Tinha perdido o corpo da juventude, a elasticidade da pele, mas não a vaidade.
André Tavares
E alguns nomes de musicos interessantes...
Cesária évora (cabo verde)
Waldemar bastos (angola)
Paulo flores (angola)
Tcheka (cabo verde)
Kafala Brothers (angola)
Mc K (angola)
Leonardo Wawuti (angola)
Keyta Mayanda (angola)
Conjunto Ngongwenha (angola)
Tabanka Djaz (guiné bissau)
Carlos Burity (angola)
Lura (cabo verde)
Entre outros (ainda africanos):
Saif Keita
Youssou Ndour
Geoffrey Oryema
Ali Farka Touré
Ismael Lo
Afel bocoum
--------
De outras latitudes, para quem não conhece, convém espreitar:
Wim Mertens
Keith Jarrett
:::
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Sobre músicas & contos
Do conto “a libélula”:
Um som fluido abandonava a casa, roçava na poeira das trepadeiras no jardim, influenciava as mangas e os mamões no seu processo de maturação, arrepiava uma libélula inebriada que ali adormecera, fazia o sol abrandar e chegava, ainda forte, ainda nítido, ao ouvido da mulher. Depois disto, um sorriso.
Na aparelhagem o som acontecia contínuo, ininterrupto. O doutor solidificara este hábito domingueiro: sentar-se no fresco da sua varanda ouvindo, durante extensos momentos, a voz de Adriana Calcanhoto. Ora dormitava, ora lia, ora escrevia, ora se quedava simplesmente de olhos rasgados contemplando as nuvens gordas azularem o céu. Para ele não se tratava de beatificar um domingo, mas sim a própria paz. Aliás, «domingo» era, para o doutor, uma palavra muito interna. Fosse um poço.
Pressentindo isto – que o doutor se apresentava em pleno estado de domingo –, a mulher hesitou. Encostou a testa ao ferro do portão e quis acreditar no impossível: que não tinha sede. A testa latejava; os olhos se queriam, de facto, fechar, olvidar o mundo, cessar a prestação de serviços visuais. O frio do portão trouxe-lhe agrado aos dedos, ao coração também. A música invadia-lhe os poros. Então, aí sim, ela partilhou uma sensação com o doutor. Ele, no mesmo instante pensava: esta voz pode ser dividida. A voz de Adriana, empurrando a tarde: «será que a gente é louca, ou lúcida... quando quer que tudo vire música».
[...]
A mulher pousou o copo, respirou fundo.
– Sabe porquê que pedi água aqui na sua casa?
– Não.
– Por causa da música... Esta voz tão doce.
– Adriana.
– Como?
– Adriana Calcanhoto, cantora brasileira.
– É poeta?
– Também.
– Não... O senhor. O senhor é poeta?
– Ah, eu! Não, sou médico. E a senhora?
– Eu estou cá de férias.
A libélula progrediu no terreno. Finalmente mexeu-se, mas caminhando.
Na expressão de ambos era visível o espanto de duas crianças que atentas e boquiabertas assistissem, de repente, ao movimento gracioso de uma pedra. A libélula caminhou em direcção ao objecto. Num breve sacudir de asas saltou e voltou a estar quieta – uma guerreira demarcando o território conquistado. «E a greve entre as estrelas só para mim», a cantora progredia na varanda, na tarde.
O objecto era uma espessa redoma de vidro, certamente cara, que protegia uma pedra minúscula, cinzenta, banal. Uma pedra pequenina, era o máximo que se poderia dizer. Nem graciosa, nem peculiar, nem mesmo exótica ou atraente. Era uma pedra brutalmente vulgar. A instalação, contudo, valorizava a pedra.
[ondjaki, in “e se amanhã o medo”, contos, 2005]
De raduan nassar
o quarto estava escuro, era talvez a hora em que as mães embalam os filhos, soprando-lhes ternas fantasias; mas lá fora ainda era dia, era um fim de tarde cheio de brandura, era um céu tenro todo feito de um rosa dúbio e vagaroso; caí pensando nessa hora tranquila em que os rebanhos procuram o poço e os pássaros derradeiros buscam o seu pouso; e pensei também que eu poderia, se me debruçasse na janela, ver as nuvens esgarçadas se deslocando pacientemente como as barbas de um ancião, até que no céu uma suave concha escura apagasse o dia (...).
Raduan Nassar, Lavoura Arcaica.